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Foto do escritorLady Dai

The Witcher 3 é feminista, só que não?

Pessoa atualizada que sou, zerei esses dias, no meu querido PS4, The Witcher 3: Wild Hunt - jogo lançado em 2015 e aclamado até hoje como um dos melhores RPGs da história dos videogames. Baseando-me na experiência que tive com o jogo, não tenho nenhum problema em aceitar essa afirmação: o troço é muito bom mesmo, fiquei vidrada nele por mais de 180 horas (feito que antes só Persona 5 havia realizado) e me diverti horrores - os personagens são cativantes; as histórias, tanto na main quest quanto nas side quests, são incríveis e bem elaboradas; e os gráficos são excelentes. Meu único ponto negativo: morria de medo e de aflição a todo momento, porque o universo de The Witcher é cruel e as criaturas com que você luta são terríveis e cada contrato para matar um monstro fazia com que eu me sentisse em um filme de terror, e eu não gosto de filmes de terror. Ah. Tem a questão das mulheres também.


É disso que eu quero realmente falar.


Não estarei lidando com spoilers aqui, só questões pontuais que acredito não afetarem a experiência de quem nunca teve contato com a história.


Vou narrar cronologicamente minhas reflexões conforme elas foram surgindo na minha gameplay (nem sei se estou usando o termo no jeito certo lol):


- Praticamente todas as mulheres em The Witcher, sejam protagonistas ou apenas NPCs secundárias, são muuito bonitas (e esse não é o problema).






yennefer, crush level máx



Sério, são “modelo da Victoria’s Secret” nível de bonita. Essa compreensão veio a mim principalmente quando fiz uma simples quest que precisava falar com a mulher de um açougueiro aleatório. A mulher do açougueiro:














O nome dela é Glenna, a qual só possui uma cena

de diálogo durante todo o jogo, no traje típico de

uma camponesa polonesa do século XIII


- mas, hmm... como dizer isso - a beleza masculina do jogo é bem mais pé no chão e por isso não chega nem perto da feminina (e este é meio que o problema kk).

caras que eu sinto que poderia encontrar na rua de boas e não necessariamente em uma passarela em Milão (e talvez não com aquele cabelo tigelinha ali)


Não tenho nada contra essa escolha meio fora da realidade de que toda a galera do universo do game é lindona (até acho da hora), só que o mais interessante é quando está equilibrado para os 2 gêneros, não é mesmo?? Final Fantasy é meu exemplo favorito: essa é a estética do jogo, ter personagens lindos, meio realistas e meio com design de mangá, funciona. Só que The Witcher adere apenas parcialmente: os homens são de aparência nível normal de ser humano, enquanto as mulheres são ninfas esculpidas pelas mãos de michelangelo? Geralt of Rivia exerce seus privilégios de protagonista sendo o único homem a ter o direito de ser bonitão nessas terras? Fica aí a reflexão, e agora, aprofundando mais:


- The Witcher 3 acerta na profundidade e carisma das suas personagens mulheres, e levanta discussões sobre o machismo e a desigualdade de gênero (este sem dúvida não é o problema).


Não precisou nem de 5 minutos de diálogo entre Yennefer of Vengerberg e Geralt of Rivia para eu me apaixonar pela personagem que era a Yen: uma feiticeira poderosa e ambiciosa com um passado triste e complicado, mas com um discurso sarcástico, divertido e direto, e também uma pessoa capaz de qualquer coisa para proteger quem é importante para ela. Keira Metz, Cerys an Craite, Ciri, Triss Merigold, Priscilla, Philippa Eilhart - consigo pensar em vários nomes relevantes de mulheres com objetivos e comportamentos bem diferentes que encontrei durante o jogo e isso é muito satisfatório. Até as moças NPCs eram indivíduos de muita atitude, seja essa boa ou ruim.


Algo que achei incrível e usarei de exemplo foi a abordagem da quest secundária “Master Armorers” quanto ao sexismo em uma profissão considerada majoritariamente masculina. Nessa quest estamos atrás de quem pode fazer a armadura mais top do mercado pra gente. Perguntando por aí, as pessoas costumam falar de um anão, Fergus, como o mais capacitado para o serviço. Indo até o Fergus, vemos que ele tem uma “auxiliar”, Yoana. Acontece que, avançando na quest, descobrimos que é Yoana, na verdade, quem faz todo serviço pesado na forja, enquanto o anão faz serviços menores porém fica com todo o crédito. A verdadeira mestre armeira disse que nunca contou a verdade pois sabe que ninguém acreditaria que uma humana - e acima de tudo, uma mulher - executava um trabalho melhor que um anão. Sobre o fim da missão: Yoana prova, através de uma competição pública e justa com Fergus, que suas armaduras são de qualidade tremendamente superior às dele, e quando o anão resolve partir, Yoana oferece uma nova parceria, dessa vez baseada na verdade. Uau - eu fiquei até emocionada quando terminei essa missão, e nem foi por causa de ter finalmente a possibilidade de fazer uma armadura top.


O mundo de The Witcher é apresentado como um mundo sexista (vou considerar que o objetivo era ser “verossímil”), mas que se mostra completamente ciente disso e faz questão de expor essa situação como fonte de injustiça e violência, além de ter personagens agindo ativamente contra a permanência desse quadro.





A legenda ilegível da imagem diz: “Este é o século XIII. Mulheres não vão para a faculdade para arranjar um marido. Elas vão para aprender, seguir sua paixão. Você fez isso. Tenho certeza de que sua mãe reconhece isso” - Rivia, Geralt of, homem desconstruidão, por volta de 1272.



- entretanto, o jogo parece entrar em conflito consigo mesmo ao adotar “escolhas criativas” um tanto quanto machistas (este pode ser, na minha visão, o problema principal).


Enquanto tudo vai muito bem no discurso, o que dizer a respeito da representação visual das moças? Meus primeiros tópicos do texto tocaram em uma questão superficial. Outro ponto relevante, é que muitas personagens ainda são hipersexualizadas, sem muita justificativa. Ok, feiticeiras as vezes usam da sensualidade para alcançar seus objetivos; mulheres devem ter a liberdade para vestirem o que quiserem. Mas até que ponto isso é razão aceitável e não uma justificativa barata para seguir em frente com personagens “sexy” que agradem o público hétero masculino, aparentemente o maior consumidor do jogo?

De acordo com os livros, fonte original da história, Triss teve cicatrizes no colo e desde então, nunca se sentiu confortável em usar decotes. Como o jogo lida com isso? Assim:










Também posso fazer um contraste entre duas figuras, uma masculina e outra feminina, que ocupam funções similares na história: Vernon Roche, comandante militar, e Ves, uma soldado da unidade de Roche.

pois é né.


Em determinado ponto da história, é possível inclusive escutar uma conversa entre os dois em que o comandante critica a escolha de roupas de Ves como sendo pouco prática e nada segura para um soldado (com razão), para o que a soldado responde algo que é praticamente um “meu corpo, minhas regras”, o que foi de revirar os olhos até eu ver meu cerebelo.


Voltando a falar de cicatrizes, nem soube o que pensar quando me deparei com um diálogo entre Geralt e Ciri no qual ela conta como resolveu o desconforto que sentia quando as pessoas encaravam a cicatriz na sua bochecha: “eu desfiz mais um botão da minha camiseta” - Ciri, querida, amada…. what?? E isso vindo da personagem que é pra talvez despertar um sentimento de paternidade no jogador, sendo ela considerada uma filha para o Geralt… Isso tudo só soa errado pra mim.


Para finalizar esse meu discurso, quero fazer uma menção honrosa ao personagem do Barão Sanguinário. Phillip Strenger foi tudo o que um homem babaca poderia ter sido no decorrer da vida, e é muito interessante acompanhar a narrativa mostrando que tudo o que vai, volta. Pontos para a equipe de desenvolvimento do jogo, arrasaram. Entretanto, achei curioso como, ao me adentrar no universo do fandom, encontrei inúmeros indivíduos apoiadores do barão numa espécie de corrente de o barão #deservedbetter, sendo que não merecia, não. Entendo que já chegamos na história do barão em um ponto que ele já fez todas as suas burradas e agora só estava colhendo o que plantou e dá um pouco de dó, mas o homem destruiu a vida da sua família com o comportamento tóxico e violento dele. O comportamento da mulher e a reação da filha quanto a ele são mais do que naturais e justificáveis, não tem razão para vilanizar elas, como vi certas pessoas fazendo.


Mas é aí que tá né, The Witcher 3: Wild Hunt é muito bom em apresentar os dois lados de uma história, e então vai de cada um decidir qual lado tem a melhor causa, de acordo com seus próprios princípios.


Minha conclusão e resposta para a pergunta que dá título a essa publicação (e que na verdade já era meio retórica, acho que dá pra perceber) é exatamente essa: The Witcher 3: Wild Hunt é um jogo bem feminista, sim, só que não. Para cada acerto, existe também uma bola fora. E assim seguimos em frente, fazer o quê, um dia de cada vez.

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