Estava eu poucos dias atrás me divertindo horrores assistindo Kaguya-sama: Love is War, anime lançado em 2019, e que eu, atualizada como sempre, fui ver só agora no começo de 2020. Tudo ia às mil maravilhas, eu estava super entretida, cantando a abertura, jogando confetes na direção maravilhosa que esse anime tem, achando divertidíssimas as guerrinhas mentais dos protagonistas, etc. Aí… chegou o episódio 9. E eu comecei a ficar com medo. Medo de que essa história fosse caminhar pra rumos muito errados e que eu fosse me decepcionar brutalmente.
Pra você que não assistiu esse anime ainda e não faz ideia do que acontece no tal episódio 9, eu vou fazer um resuminho rápido do plot, dando o mínimo de spoiler possível, beleza? Ok, lá vai.
Na sala do conselho estudantil de um colégio para filhos de ricaços do Japão se encontram todos os dias o presidente do conselho estudantil, Shirogane Miyuki, e a vice-presidente, Shinomiya Kaguya. Os dois são os alunos perfeitos, verdadeiros modelos de jovens bem sucedidos: inteligentes, cultos, educados, trabalhadores, e por aí vai. E é claro, como toda boa comédia romântica, os dois são apaixonados um pelo outro. MAS o que zica a vida é que “Love is War”, o que quer dizer que, como numa guerra, existe aquele que ganha e aquele que perde. Nesse caso, o perdedor é quem se declara primeiro, e o ganhador, quem conseguiu fazer com que o outro se declarasse. Acontece que ambos protagonistas são orgulhosos demais para perder. Então o anime vai se desenvolvendo com uma série de situações hilárias nas quais os dois arquitetam mil e um planos pra fazer com que o outro seja o primeiro a declarar seu amor (é ótimo, de verdade!!).
Ok, até aí tá lindo. Mas e esse episódio 9? Neste digníssimo episódio a Kaguya se encontra numa situação um tanto indefesa e o Shirogane tá ali, dando um apoio moral. De repente a situação dá um duplo twist carpado e os dois (olha o SPOILER!!!!!!!!!!!!!!!!) estão na cama o.o
Pânico.
Meu, no caso. Porque achei que podia dar muito ruim.
Imagens dessa abertura viciante: “Love Dramatic”, Mas não deu :D
de Masayuki Suzuki E eu fiquei feliz e minhas esperanças
foram renovadas.
Aí veio o episódio 10 e o medo voltou.
(agora vão começar spoilers brutais, hein. eu tô avisando)
Episódio 9: it escalated quickly
Na real, eu tava bem contente com o andamento da coisa durante o final do episódio 9, mas conforme a situação foi se desenrolando no ep. 10 eu fui tendo umas sensações estranhas, como se algo não estivesse muito correto.
No começo desse ep. o narrador introduz os pensamentos da Kaguya, e ele diz o seguinte: “Do ponto de vista de Kaguya, ele (Shirogane) tirou vantagem de quando estava doente, deitando em sua cama. Talvez ele a tenha toca enquanto dormia? Isso a fez se sentir mal. E se ele não fez nada… isso também a irritava!.
Mais pra frente, durante uma conversa com uma kouhai, Shinomiya percebe que está nervosa com o presidente porque, no fundo, gostaria que ele a tivesse tocado, pois isso seria uma mostra de que ele sente interesse por ela. Tudo mostrado no anime com cenas de diálogos internos, no intuito de fazer com que ela reconheça seus verdadeiros sentimentos, numa narrativa fofa.
Eeeeenfiimmm…
Entendi a mensagem, faz sentido e tals. Mas vocês conseguiram enxergar a mesma problemática que eu enxerguei? Se não, vou deixar bem claro aqui a linha de pensamento pela qual o anime conduz o expectador:
Depois de muita espera, finalmente os protagonistas estão interagindo sozinhos, no quarto da Shinomiya. Tudo que você quer é que algo romântico aconteça! E o anime te dá uma pimentinha, claro, eles dois acabam na mesma cama. “Kyaaa!”, você grita internamente. Mas nada acontece e a Shinomiya fica meio bolada, porque ela queria ter tido alguma dica de que ele gosta dela, e você não tem como não pensar “poxa, bem que podia ter rolado alguma coisa, ia ser tão bonitinho ver esse romance ir pra frente”.
E pronto, aqui estamos nós achando super romântico que um cara se aproveite de uma moça sem o consentimento dela. Desde quando isso deveria ser romântico?!!
Vejam bem, não culpo inteiramente o anime de Kaguya-sama por utilizar esse recurso pra construir cenas de casal, nem o espectador por acabar entrando nessa vibe. Usar o quase-abuso como bengala para aprofundar situações românticas em casais da ficção é um recurso usado já a bastante tempo, tanto que acabamos nos acostumando com ele. Sequências de cena como a do episódio 8 de Ouran High School Host Club (adoro, inclusive), são encontradas em vários lugares.
Depois de um incidente, o protagonista tenta enfiar na cabeça da menina que ela está sendo negligente com sua segurança, afinal ela é uma garota.
Então uma situação de abuso realmente acontece, e duas uma: ou ela é salva pelo protagonista masculino, ou a própria pessoa a realizar o abuso estava, na verdade, tentando dar uma lição na menina.
O episódio geralmente termina com alguma cena de fragilidade da protagonista, porque ela entendeu que pode se deixar ser cuidada por outra pessoa.
Por mais que eu entenda o apelo desse tipo de enredo - e cá entre nós, eu não dispensaria alguém vindo me salvar caso eu estivesse sendo abusada, seja ele homem, mulher, meu parceiro romântico ou não -, o problema é que esse roteiro é sempre o mesmo, e usado do mesmo jeito. Aparentemente, o errado é a menina não entender sua posição de mulher, e não o fato de o abuso acontecer!! Tô pra ver um anime que dê foco na lição de moral contra o abusador, e não na fragilidade (ou na não fragilidade - parabéns kaichou wa maid-sama) da protagonista.
A forma como Kaguya-sama se utiliza em seu roteiro da conhecida cena de quase-abuso é, pra mim, dos males o menor. Não foi a pior coisa que já vi desse tipo, mas entendo que talvez eu já tenha assistido coisas muito ruins nos shoujos por aí e por isso meus parâmetros estejam bem baixos kkkkkkk Continuo recomendando o anime, é claro, a história tem muito mais elementos positivos do que negativos. Mas queria deixar esse pensamento no ar, pra vocês refletirem se na hora que assistimos aos nossos romances, se sem querer não estamos romantizando situações de abuso feminino e se de alguma forma esse pensamento não nos afeta no dia a dia, na vida real. Porque eu acho que sim.
E você, o que pensa a respeito?
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