A maioria de nós por aí está continuamente na luta para completar um objetivo ou, mais do que isso, em busca de uma verdadeira motivação para seguir em frente. Existe aquele lado nosso que deseja pelo bem maior, que almeja encontrar sua razão de estar nesse aqui e agora em uma missão de vida altruísta e edificante. Porém, também há aquele outro lado que olha para dentro de nós mesmos e busca pelas nossas mais singelas necessidades, e tudo o que se quer é satisfazer essas pequenas vontades individuais, mais egoístas (sem querer aplicar à palavra o uso pejorativo) e por vezes um pouco menos críticas e mais relaxadas, por assim dizer, hahah (de verdade não estou querendo fazer pouco dessa segunda situação, essa postagem é exatamente sobre isso).
Essa introdução de ares filosóficos foi para que eu pudesse dar abertura com categoria à razão principal desse meu texto. Gostaria de trazer ao palco aquela que me instigou a pensar sobre essa tal “escala de importância” a qual parece existir por aí sobre as motivações alheias, uma espécie de validação dos motivos que as pessoas carregam consigo para seguir com a vida: faça sua entrada à cena, Chiyoko Fujiwara, a protagonista de Millennium Actress (2001), do diretor Satoshi Kon.
Para quem não está familiarizado com a obra, eu fiz uma breve resenha sobre ela aqui no blog, mas vou dar uma explicaçãozinha rápida do cerne dessa história: Chiyoko é uma atriz de sucesso já aposentada, e nesse filme é contada sua trajetória de vida e de carreira. Carreira essa, aliás, que só começou porque a protagonista encontrou nela a oportunidade de realizar seu mais importante objetivo: encontrar seu primeiro amor, um artista e dissidente político da guerra Sino-Japonesa, que apareceu e desapareceu da vida dessa senhorita em um piscar de olhos, mas por tempo suficiente para que criassem uma conexão pra toda vida.
Desde o começo, Chiyoko deixa claro que nunca teve interesse em cinema e teatro, mas aceitou o chamado de um diretor pela simples esperança de seu amado um dia assistir um de seus filmes e reconhecê-la, gerando uma oportunidade de reencontro.
Processada essa informação, instalou-se em mim a famosa pulga atrás da orelha, e o seguinte questionamento: “essa história é sobre uma moça que dedicou sua vida inteira a correr atrás de um HOMEM?!” - E eu mesma me respondo, por que estou escrevendo isso aqui sozinha no silêncio da noite e espero não escutar nenhuma outra voz respondendo minhas perguntas: “Sim, Dai, é isso mesmo. Mas se eu, que sou você, fosse dizer isso de uma maneira um pouco melhor, visto por um ângulo ligeiramente diferente, eu poderia igualmente dizer que o filme conta a história de uma mulher muito determinada, que se utilizou do maior anseio de sua vida e fez dele o impulsionador de toda sua trajetória”. Afinal, a carreira de atriz de Chiyoko resultou em tremendo sucesso profissional e a fez se sentir realizada.
Sabe, o feminismo é muito importante. E nós temos que ter sempre em mente do que se trata esse movimento: igualdade. O que, principalmente para as mulheres, significa libertação da opressão e oportunidade de escolha.
Enquanto escrevia isso, me lembrei de uma outra situação que suponho valer a pena comentar. Quem já assistiu um filme chamado O Sorriso de Mona Lisa (2003) deve se recordar de uma cena entre as personagens de Julia Roberts e Julia Stiles na qual Joan (Stiles), aluna de Miss Watson (Roberts), conta à sua professora que se casou, e embora fosse uma aluna brilhante com oportunidade de ir para às melhores universidades, decidiu abdicar dos estudos em prol de construir uma família. Miss Watson fica, com sua dose de razão, inconformada, falando que se Joan quisesse, poderia ter as duas coisas. A jovem discorda (porque, convenhamos, não é tão fácil assim né galera kk), dizendo que tem plena consciência da sua escolha, que se quisesse mesmo ir, seu marido a apoiaria, mas ela simplesmente quis priorizar sua família - se não fizesse isso, sente que se arrependeria mais do que ao abrir mão de um futuro como advogada.
Joan então segue descascando Miss Watson sobre como ela desvaloriza a posição da mulher como dona de casa, tratando-a como um indivíduo raso e com poucas aspirações de vida. Nesta cena Joan defende seu direito de escolha, o direito de fazer da família seu motivo de vida e felicidade, e a oportunidade de ser o que quisesse, sendo ela uma mulher inteligente, sagaz, habilidosa, e dona de casa.
Quando eu assisti, não me pareceu que Watson ficou assim tão convencida com aquele discurso todo, mas ela respeitou, deu um abracinho e vazou. A realidade de Joan estava muito distante da sua.
O meu ponto falando tudo isso é o seguinte: deixa as mina fazer o que elas quiserem, por qualquer motivo que for relevante pra elas. Se não tá incomodando ninguém, se tá fazendo bem pra garota, segue o baile. Eu sei que existem muitos casos onde esse pensamento patriarcal está mesmo enraizado nas mentes das pessoas, e as mulheres “escolhem” seguir a convenção, e dessa maneira evitar, na verdade, o ocasionamento de um provável conflito ao seguir outra rota mais “ousada”. Além disso, porque já vimos tantas histórias de mulheres com motivações girando em torno de homens, ficamos meio saturadas né, eu entendo.
Só que a meu ver, a motivação da Chiyoko (lembra dela? lá em cima no post? lol) foi tão pura e genuína, e ela claramente se envolve com sua carreira de atriz e passa a valorizar o cinema e sua profissão, a qual só começou graças a sua vontade de reencontrar seu grande amor. Então, existe realmente um problema aí? Será que essas personagens precisam mesmo ter uma motivação profundamente nobre e discursiva e militante para seguirem com suas vidas?
Nós sentimos muita simpatia ao encontrar, por exemplo, protagonistas de shounen com motivações altruístas e inspiradoras - como um Deku da vida (Boku no Hero Academia), que quer ajudar as pessoas e ser o símbolo da paz - mas quem está mais próximo de nós, geralmente, é uma Uraraka Ochako (Boku no Hero tbm), que quer simplesmente ser uma heroína para ganhar dinheiro e retribuir o esforço que a família fez por ela (e essa é uma motivação por amor e gratidão, igualmente nobre, no fim das contas).
Às vezes nós temos que exigir certos tipos de representação, com certeza. Porém, também recomendo a todas e todos a dar uma folga a si mesmo e aos outros de vez em quando. Calma lá com sua postura 100% militante, entende? (eu digo tudo isso porque eu mesma sou bem fogo no zóio em muitas ocasiões, hehe). Há muitas realidades por aí, e eu acredito que o feminismo deva lutar exatamente por essa diversidade, desde que ela não seja excludente e opressora.
Isso foi o que eu parei para pensar esses dias. Mas não estou querendo impor essa opinião em ninguém - nem em mim mesma lol -; se quiser ser a Miss Watson da minha Joan, à vontade: só me dá um abracinho e pode seguir o seu caminho.
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